O amor entre onívoros e vegetarianos

É possível para um vegetariano suportar ver seu par apreciando um grande pedaço de bife no jantar, ou se deparar com um monte de carne sangrenta em seu freezer, ou mesmo ser obrigado a respirar o “agradável” odor de uma picanha na brasa? Nesta reportagem exclusiva, alguns casais contam suas experiências e revelam como conseguem conviver com as suas diferenças alimentares. Acompanhe:

por NANCI DAINEZI

Ah... as diferenças... são elas que alimentam poetas, escritores e sonhadores, provocam as mudanças no mundo, fazem refletir, são temas de teses de mestrados e de livros sobre o assunto. Mas, se de um lado elas são excelentes para quebrar a monotonia, de outro podem também causar revolta, mudanças bruscas de humor, choros incontidos e vontade de esganar o outro. Saber conviver com as diferenças é um desafio diário, às vezes até além da conta, principalmente no relacionamento a dois. “No namoro, as diferenças são suportáveis, mas no casamento a coisa se complica”, diz Elisa M. Parahyba Campos, psicóloga, terapeuta de casais e professora do departamento de Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo (USP). Ela afirma que quando o casal se vê ocasionalmente, nos fins de semana, as pequenas diferenças são contornáveis. Mas quando o casal se junta e tem de dividir o mesmo espaço, as manias, gostos e escolhas pessoais podem se transformar em grandes problemas, principalmente se houver invasão de espaço e falta respeito entre ambos. “As pessoas são diferentes, vem de famílias diferentes, têm educação e hábitos diferentes, e mesmo quando se casam, continuam sendo seres únicos. É claro que também têm coisas incomuns para compartilhar, por isso se uniram. E para celebrar a união e manter uma boa relação, os dois devem ter respeito um pelo outro, não serem rígidos com seus próprios conceitos e sempre fazer concessões.”

A doutora Elisa reforça ainda que o diálogo constante entre o casal é um dos caminhos mais fáceis para solucionar problemas, sejam eles grandes ou pequenos, “Qualquer coisa se resolve bem quando há diálogo. O entendimento e espírito de cumplicidade entre as pessoas nascem dele.”

E o que dizer daquelas pessoas que cedem demais e acabam deixando as próprias convicções de lado? Essa talvez seja uma característica pessoal, encontrada em ambos os sexos. Entretanto, na cultura brasileira, vemos que isso é mais comum em mulheres do que em homens. Uma mulher vegetariana, por exemplo, seria capaz de agir contra os seus próprios princípios e fritar um bife para o seu companheiro onívoro só para agradá-lo. Já o homem... “Isso tem muito mais a ver com a cultura e a educação que a mulher recebeu, do que propriamente com o sexo. Pode parecer absurdo, mas ainda hoje, a mulher brasileira é ensinada a servir. E isso fica bem claro entre o homem e a mulher que trabalham fora. Ela, além de trabalhar fora, tem o “dever” de lavar, passar e cozinhar para o ele e o para bem comum. Além disso, a maioria das mulheres prefere não brigar, mesmo que o motivo da discussão a fira por dentro”, ressalta a doutora, mas dá um recado: “Quando a dose de sacrifício ou renúncia é grande, ou constante, um dia tudo isso vira cobrança e os problemas já acumulados com o tempo podem não ter mais solução.”

A boa novidade, entretanto, é que as pessoas estão mudando em nosso país! A doutora Elisa afirma que os casais mais jovens estão mais abertos ao novo e são mais companheiros. “Os jovens de hoje têm mais capacidade para experimentar coisas novas e se adaptam melhor às mudanças, sejam elas de ordem comportamental, alimentar, entre outras. Boa parte dos homens são menos machistas, já ajudam em casa e entendem mais a necessidade de suas companheiras. Vejo muito isso em meu consultório e na faculdade onde leciono. E quando digo jovens, falo de pessoas com menos de 30 anos, que apesar de eu considerar também bastante jovens, geralmente não gostam de ousar, de experimentar, e preferem seguir em frente com seus hábitos já arraigados. Por exemplo, creio que é muito mais difícil para um onívoro acima dos 30, se tornar vegetariano. Mas é claro que isso não é uma regra rígida. Existem exceções”, declara a psicóloga. Ainda bem, não é?!

Convictos em seus hábitos, mas apaixonados

Moradora de São Paulo, Lais Atkocius tem 20, trabalha como suporte técnico e é vegetariana há três anos e meio. “Estou em processo de virar vegana”, revela. Julián Rodrigo Boledi tem 19, é designer e acredita que não combina com vegetarianismo. “Já esbocei muito de leve a vontade de me tornar vegetariano. Mas creio que não levaria a sério”, diz. A história do casal começou há seis, quando Lais e Julián se tornaram vizinhos e grandes amigos. “Na época eu não era vegetariana e namorava outro moço. Quando tomei a decisão de parar com a carne, o Julián já era um amigo bem próximo e estava presente no meu dia-a-dia. Começamos nosso namoro mais ou menos um ano depois”, conta Lais.
Julián não levou o vegetarianismo de Laís á sério, achava que estava apenas passando por uma fase. “Achei que passaria rápido e levei meio que na brincadeira. Depois de três anos como vegetariana já levo sua decisão como algo sério e normal. Já conversamos bastante sobre o assunto, às vezes tento fazer que ela volte a comer carne, mas nem eu mesmo acredito que ela volte”, acrescenta Julián.
Laís optou pelo vegetarianismo por acaso, mas hoje,
após ter visto vários vídeos que abordam a questão, resolveu tentar a vida vegana. “O que mais me irrita em relação à nossas diferenças alimentares é contar tudo o que eu vejo e sinto a respeito da carne e ver ele se deliciando com aquele bife ensangüentado no prato ou quando ele come carne e me beija com gosto de carne. Claro que tudo isso não é proposital da parte dele, são coisas que vou ter de aceitar.” Por seu lado, Julián diz que as pessoas ficam realmente preocupadas com o que ela vai comer,
como se fosse algo muito difícil. Entretanto acrescenta: “Fico triste por não conseguir comida rápida vegetariana ou vegana, tipo fast food quando saímos.”
Quando o casal cisma de cozinhar, Laís prepara sem carne e ele come. “Se ele quer carne, ele faz”, diz Laís. Mas o amor dos dois tem agüentado bem essas diferenças. “Seria melhor se ele fosse vegetariano, mas isso não intefere no meu amor por ele. Estou feliz assim.”

Conquistando aos poucos pelo estômago

Novata no vegetarianismo, a jornalista paulistana Giselle Stazauskas, 24, tenta transformar os hábitos do técnico de operador de áudio, Daniel Inacio, 24, com os quitutes vegetarianos que está aprendendo a fazer. O namoro dos dois começou a dois e meio que namoro, quando Giselle ainda comia carne. “Optei pelo vegetarianismo há pouco mais de quatro meses e virei vegetariana de um dia pro outro, após assistir um especial de aniversário do programa Late Show, onde apareceram cenas que me chocaram, como a retirada de pele de um bicho vivo, o processo de produção do foie gras, animais abandonados e maltratados, além de diversas outras atrocidades. Nesse dia, fui encontrar com o Daniel chorando e no caminho me perguntava como o homem podia fazer maldades desse tipo. Sempre gostei muito de animais e sou vegetariana por amor a eles”, declara.
Daniel, a princípio, estranhou a subida mudança de Giselle, mas acabou entendendo seus motivos. “Lembro que quando a encontrei, ela estava em prantos, como se alguém tivesse morrido ou algo terrível tivesse acontecido. Quando ela me explicou, acabei entendendo o sentimento dela e tentei acalmá-la. O respeito entre nós existe porque ela deixa bem claro quais os motivos que a levaram a parar de comer carne. Seria infantil da minha parte zombar ou desrespeitar esse hábito novo.” Giselle ama seu namorado, mas não se aventura na preparação de carnes para agradá-lo. “Não encararia fazer um churrasco, cortar carne, limpar frango, peixe. Sempre que vi minha mãe fazendo isso, eu fazia cara feia, dava uma impressão ruim. Como nunca gostei do processo, agora é que eu não encaro mesmo essa tarefa”. Daniel, por sua vez, diz admirar a atitude dela ter virado vegetariana, mas diz que, por enquanto não mudaria seus hábitos. “Pode ser que com o convívio e o passar do tempo essa idéia possa criar força dentro de mim, mas ainda tenho uma opinião diferente.” Giselle diz que adoraria se Daniel se tornasse vegetariano, principalmente para melhorar sua ingestão de vitaminas. “Mas tudo bem, cada um, cada um.”

Unidos pela internet e pelo vegetarianismo

Os vegetarianos paulistanos Miriam Cavadas da Silva, funcionária pública de 32 anos e André Carlos da Silva, assistente administrativo, de 27 têm gostos quase idênticos: ela se tornou vegana em maio do ano passado e ele continuou lacto-ovo. Os dois se conheceram através da comunidade “Vegetarianos Solteiros” do pelo Orkut. “No começo de 2007, eu agitava os orkontros da comunidade, mas o André nunca foi em nenhum deles, apesar de sempre dizer que tinha vontade. Um dia eu estava andando pela Av. Mercúrio, na Zona Cerealista de São Paulo, fazendo minhas compras vegetarianas quando ele passou por lá de carro. Ele me reconheceu por uma das tatuagens, que aparece na minha foto do Orkut, e assim nos conhecemos pessoalmente. Depois disso começamos a conversar mais, a sair juntos, e acabamos namorando. Estamos juntos desde janeiro deste ano. Na época eu já era vegan”, conta Miriam. Ela, sempre convicta acerca do vegetarianismo, se recusava a namorar alguém onívoro. “Não achei ruim o André ser lacto-ovo. Eu mesma fui por uns quatro meses... mas acho que cada um tem seu tempo. Só um detalhe: eu fazia questão de namorar um vegetariano, considero impossível namorar um onívoro, são modos de vida muito diferentes.”

André também teve uma reação positiva, como ele mesmo conta. “Só tive um pouco de medo de achar que ela fosse muita “xiita” e não compreensiva, fato que se revelou o contrário durante a convivência.”

Miriam conta que existe bastante respeito entre os dois. “Acho respeito imprescindível! Só fico incomodada se o vejo comendo ou usando algo que não seja vegan, porque não entendo como ele pode usar algo assim sabendo de onde veio, de todo o sofrimento que causou aos animais. Mas eu não fico pressionando pra ele mudar senão vou virar uma chata de plantão na vida dele. Acho que é ele quem vai decidir, tem o meu exemplo e já mudou em muitas coisas desde que começamos a namorar”. Ela diz que adoraria se ele se tornasse vegan e complementa: “Na verdade, o que eu queria mesmo é que a humanidade toda se tornasse vegan.”

O que o ICQ uniu, a opção alimentar não separa...

Os catarinenses Isabel Wittmann, futura arquiteta e urbanista de 23 anos e Luiz Carlos Amaral Mendonça Cavalcanti, programador, de 24 anos, se casaram e hoje vivem muito felizes, apesar de sua radical diferença alimentar: ela é vegana e ele onívoro. Ela se tornou vegana no final de 2007, por amor aos animais. “Fui ovo-lacto-vegetariana por 5 anos. Com o passar do tempo vi que o veganismo era a única maneira de eu ser coerente com tudo aquilo que eu acreditava: a não-exploração animal e a libertação animal.” Izabel e Luiz se conheceram à distância, em 2001, através do aposentado ICQ. Ela morava em Blumenau e ele em Maceió. Na época, ambos eram onívoros e mantinham conversas despretensiosas e esporádicas, até que em 2002 ele foi a um congresso em Florianópolis e eles se conheceram pessoalmente. O namoro começou dois meses mais tarde, à distância. No final de 2004, ele se mudou para Blumenau e a relação ficou mais séria. “Quando nos encontramos pessoalmente eu tinha parado com a carne vermelha, mas ainda comia frango, mas quando começamos a namorar, eu já era ovo-lacto.” Izabel diz que quando se tornou vegana, Luiz a apoiou muito. “Fomos morar juntos em julho de 2007, casamos em setembro e eu veganizei em dezembro.”
A convivência dos dois é simples e o respeito é sempre presente. “Nós dois cozinhamos e quando o fazemos, são pratos veganos. Ele não come carne em casa, por isso não tenho que conviver com carne no congelador. O que ele costuma compra de vez em quando é queijo para fazer sanduíche. Ele abre a embalagem, acondiciona num potinho e lava quando acaba. Eu não tenho contato com ele (o pote). Então em casa ele é (quase) vegano também.”
Izabel acredita que um dia Luiz se torne vegetariano, por gostar de animais e se posicionar a favor do vegetarianismo, mas diz que não será por imposição. “Se ele não se tornar vegetariano, já fico feliz por me apoiar.”

Veganos pela ética e pelo amor

Os cariocas Charles de Freitas Lima, 34, professor de Educação Física e Magna Lima Machado, 31 anos, formada em Gestão e Planejamento Ambiental, se conheceram em um curso de pré-vestibular no ano 2000, mas só começaram a namorar em julho de 2004. “Naquela época ela era onívora, mas eu já era lacto-vegetariano. Há sete anos e meio, me tornei vegano! Na verdade, foi a conscientização da indústria de produtos testados em animais que mais pesou em minha decisão. A reação dela, tanto ao me conhecer quanto ao decidir pelo veganismo, foi de total respeito. De 2000 até 2004, éramos só amigos, depois nos tornamos namorados”, conta Charles.

Fazer com que a namorada se tornasse também vegana não foi uma tarefa árdua para Charles. “Através do meu exemplo (foi ela que me disse isso) e pelos conhecimentos em meio ambiente que ela já tinha, a Magna também optou pelo veganismo. Ela mudou sua postura porque seu conhecimento não lhe permitia ficar no estágio onde estava.”

A convivência entre ambos é fácil e sem estresse, uma vez que os dois optaram em seguir a mesma dieta e o mesmo caminho de vida. Além disso, juntos encontraram uma forma de divulgar e desmistificar o veganismo: sempre que podem reúnem amigos, preparam pratos sem carne e atuam em prol da causa vegan formas diferentes. “Hoje, nós propagamos o veganismo através de encontros fraternos em minha casa, com preparações de receitas veganas deliciosas. Quem já participou que o diga!”, acrescenta Charles. “Magna, por sua vez, distribui livretos gratuitos sobre os animais do ponto de vista espiritual. E eu divulgo a vida vegan e o amor aos animais através de palestras em escolas, institutos etc., e também escrevendo artigos para os sites www.guiavegano.com e www.sentiens.net, finaliza o professor.

Opção de olho

“Dialogar, respeitar a individualidade e ter capacidade de fazer concessões são atitudes que permitem um convívio mais pacífico entre pessoas que têm com hábitos diferentes.”

Comentários

  1. muito boa a materia, sou vegano a seis anos e vivo um dilema, pois ao mesmo tempo que não consumo nada de origem animal, sou forçado pelas circunstâncias a cozinhar carne para a minha mãe de 76 anos e é diabética e enxerga muito pouco e ainda tenho que comprar carne para ela.

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  2. muito boa a materia, sou vegano a seis anos e vivo um dilema, pois ao mesmo tempo que não consumo nada de origem animal, sou forçado pelas circunstâncias a cozinhar carne para a minha mãe de 76 anos e é diabética e enxerga muito pouco e ainda tenho que comprar carne para ela.

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